Pesquisa revela que 90,7% dos candidatos a pais adotivos preferem meninas brancas com menos de 2 anos
Uma triste realidade no Dia Internacional da Adoção , que se comemora hoje. Embora o número de pessoas habilitadas a adotar seja quatro vezes superior ao de crianças disponíveis, é muito provável que estes jovens continuem ainda em abrigos até completarem 18 anos, porque não nasceram com o perfil procurado, que é menina, branca, com menos de 2 anos de idade.
“A maioria das crianças colocadas para adoção tem mais de 5 anos, são meninos, negros, tem irmãos ou defeitos físicos. E em abrigos há ainda muitos outros, com perfil idêntico, aguardando a verificação de destituição do poder dos pais”, diz o desembargador Antônio Carlos Malheiros , coordenador das varas de infância e juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apesar de tantas exigências, o desembargador considera a situação atual bem melhor que antes.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, das 1.436 crianças disponíveis para adoção em São Paulo, apenas 3% estão na faixa até 3 anos. Já os bebês representam 0,22% e a maioria tem irmãos para ser adotado junto ou problema de saúde.
O desembargador Malheiros explica que, ao contrário dos casais brasileiros, os estrangeiros fazem pouquíssimas exigências. “Eles adotam grupos de irmãos, crianças de qualquer sexo, idade, com defeitos físicos, problemas de saúde, doenças mentais e nem mencionam cor de pele.”
Outra exigência frequente, segundo o desembargador, e não aceitar criança que sofreu algum tipo de violência, principalmente sexual. “Muitos acham que isso poderá trazer problemas futuros, como se tivéssemos uma chave de controle para impedir que acontecesse algo semelhante a um filho biológico.”
O processo de adoção leva, em média, dois anos para que candidatos a pais possam ser bem examinados. Isso evita que ocorram casos como o da procuradora aposentada Vera Lúcia Gomes, que está presa, acusada de torturar a filha adotiva de 2 anos. “Ela é maluca. Obteve a guarda provisória por preencher os requisitos”, diz Malheiros.
Na fase da guarda provisória, em torno de um ano, a lei aceita devolução da criança, por motivos justificáveis e injustificáveis. “Os pais que devolvessem sem motivos justificáveis deveriam pagar indenização à criança, como propôs o Ministério Público de Minas, porque isso não pode acontecer. É a mesma coisa que eu querer devolver meu filho biológico a Deus porque não gostei de alguma coisa nele”, compara o desembargador.
Homossexuais aceitos
O número de adoções realizadas por casais homossexuais deve ganhar impulso a partir de agora, com decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Por unanimidade, os ministros confirmaram decisão de primeira instância, autorizando uma das parceiras a registrar, em seu nome, filhos adotados pela companheira.
A decisão, inédita em instância superior, confirma a tendência da Justiça brasileira de habilitar, com menos burocracia, casais do mesmo sexo à adoção . Nesse sentido, já existem inclusive ações favoráveis em São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro.
“O Judiciário não está mais virando o rosto para adoção homoafetiva”, diz o desembargador Antonio Carlos Malheiros , coordenador das varas de infância e juventude do TJ de São Paulo, lembrando que o relacionamento de homossexuais com seus filhos é muito bom. Segundo ele, alguns juízes entendiam que as crianças podiam tornar-se homossexuais também com a convivência. “E isso não existe. Mas, se ocorrer, qual o problema?”
“A Justiça começa a entender que a sua resistência nesse tipo de adoção era prejudicial à criança. Antes, apenas um dos parceiros era habilitado, mas a criança convivia com o casal”, observa a advogada gaúcha Maria Berenice Dias, especializada em direito homoafetivo. Segundo ela, porém, ainda há muito preconceito.
Pais precisam de preparo
O processo de adoção, segundo a psicóloga da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai), do Tribunal de Justiça, Sílvia Nascimento Penha, não é tão demorado quanto se diz. Ocorre que a Justiça avalia também o tempo de amadurecimento de cada pessoa que quer adotar. “Não pode ser dinâmico a ponto de colocar uma criança nos braços de pessoas que ainda não estão preparadas para isso”, diz.
O tempo de amadurecimento da ideia de ser pai adotivo não foi problema para o jornalista Christian Heinlik . Quando ele assumiu a sua paternidade, há três anos, já havia passado anos pensando na adoção. Aos 34 anos, buscou o Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (Gaasp) e foi lá que se informou sobre suas dúvidas. Um detalhe: resolveu adotar, mesmo solteiro.
“Conheci o Pedro Vinícius quando ele tinha 8 anos. Cheguei para falar com ele com a assistente social sabendo que eu seria seu pai”, conta. Três anos depois, os dois estão em plena sintonia. “Sou homossexual e meu filho foi aos poucos se habituando a esse contexto. Mas, antes de qualquer coisa, sou pai dele”, afirma.
Por dois anos, a dona de casa Maria do Rosário Toledo Santos, de 42 anos, lutou para adotar, junto com o marido Willian Gabriel dos Santos Toledo, de 35 anos, Flávia, hoje com 13 anos. Quando Maria a conheceu em uma instituição, não teve dúvidas: “Queria ser mãe dela”. A menina tem paralisia cerebral e não fala. Foi levada para a instituição com 4 anos. A possibilidade de ser adotada era muito distante. Mas foi possível graças ao amor insuperável de Maria do Rosário. “Eu faria tudo de novo”, garante.
Desejo de ter filho é a motivação
Pesquisa coordenada pela psicóloga Lidia Weber , da Universidade Federal do Paraná, revela que a maioria das pessoas adota, prioritariamente, para satisfazer o desejo de ser pai ou mãe. Outros motivos são a necessidade de preencher a solidão, propiciar companhia ao filho único ou ainda substituir o filho biológico que morreu. Porém, apesar de o interesse da criança ter sido levado em consideração em princípio, isso não prejudicou o relacionamento entre pais e filhos.
Segundo Lidia, a pesquisa revelou que as dificuldades encontradas por alguns pais adotivos no relacionamento com o filho foram, geralmente, relacionadas às revelações tardias sobre adoção ou feitas inadequadamente por terceiros.
Outro dado curioso constatado na pesquisa é o de que o fator econômico não tem valor relevante. “Parece evidente que algumas condições materiais são imprescindíveis, mas o mais importante é a capacidade de amar sem impor tantas condições”, explica a psicóloga.