E A BARATA ESCLARECEU TUDO
Na roda, a discussão segue acalorada: - A biosfera é quem dá a vida a todos os seres.
- Mas, a biosfera dá vida tanto ao vírus da AIDS quanto ao bebê foca, tanto à peste e à cólera quanto à floresta e ao riacho...
- Você está querendo dizer que o HIV é um sujeito de direito, em pé de igualdade com o homem?
- Sim, pois o único sujeito autêntico de direito é a biosfera.
- Mas, o cartesianismo nega o valor intrínseco da natureza...
- Por isso mesmo, esta questão ocupará o centro dos debates ecológicos nos anos vindouros.
- Então, desde já eu indico o caminho: o direito animal Todos concordam. Uma voz cantada surge de um canto da sala: - Licençaaaa? Quero fala-ar.
- Vai, companheira!
- Se animal fosse máquina, como pensam os cartesianos, a questão de seus direitos jamais seria formulada.
- Mas isso despertaria, para com o animal, para além da compaixão e da piedade, o sentimento de obrigação.
- Não se trata de desqualificar a abordagem sentimental da questão dos direitos mas antes, de averiguar os eventuais princípios de legitimidade.
- O animal é o único ser capaz de agir de modo consciente e intencional
- É verdade. Por isso é que ele se distancia do reino do mecanismo e se aproxima do reino da liberdade.
- Os gritos dos animais que sofrem não têm a mesma significação dos sons produzidos pelos timbres do relógio.
- A fidelidade do cão também não é a mesma do relógio de pulso. Um oh! de comoção percorre o recinto. E a conversa vai por aí quando, como um bólido, entra pela janela e aterrissa no centro da roda - Uma barata!!! – metade esbugalha os olhos e grita de pavor. - Plaft! E a remela do animal, junto aos seus direitos, se esparrama no assoalho, e meleca a sola da sandália antes solidária. Um forte abraço e até sexta que vem. P.S. Alguns trechos destes diálogos são a prosa de Luc Ferry em A Nova Ordem Ecológica – Ed. Ensaio, 1994. S.P. |